MATÉRIA SOBRE LANÇAMENTO DO FILME: PADIM CIÇO SANTO OU CORONEL? EM SÃO PAULO
Documentário revela lado pouco conhecido do
Padre Cícero
José Antônio Rosa - Redação Cruzeiro do SulNotícia publicada na edição de 05/12/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno D - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.Para os milhares de devotos que fazem, todos os anos, a peregrinação a Juazeiro do Norte, ele foi, e sempre será, o santo. O sacerdote que, em 1889, no momento da comunhão, viu a hóstia entregue à beata Maria de Araújo sangrar. Já para quem se deu ao trabalho de pesquisar mais a fundo, a história do Padre Cícero Romão Batista, o “Padim Cícero”, símbolo maior da crença religiosa nordestina, assume contornos absolutamente distintos. Foi o que descobriu o escritor, cordelista e cineasta Valdecy Alves que exibe hoje, em Itu, o documentário “Padim Ciço - Santo ou Coronel?”. Para quem não conhece, Valdecy teve uma atuação importante na cena cultural sorocabana nas décadas de 80 e 90, antes de voltar ao Ceará, onde nasceu. A sessão está programada para as 19h, na Biblioteca Comunitária “Waldir de Souza Lima”. A entrada é gratuita.
Valdecy Alves não acredita que o projeto vá,
de alguma forma, abalar a convicção dos devotos
A produção do filme demandou dois anos de trabalho, período durante o qual Valdecy conversou com estudiosos, acompanhou duas das maiores romarias realizadas à cidade onde o personagem-título nasceu e, claro, colheu depoimentos dos fiéis. “Padim Ciço...” se propõe, conforme o seu diretor, a desmistificar a figura do líder religioso, e busca, também, esclarecer algumas passagens de sua biografia. Pontos controversos, como os milagres a ele atribuídos, as profecias e, sobretudo, a forte atuação política, são discutidos na produção.
Visionário, estrategista, dono de uma inteligência privilegiada e de um senso de oportunismo maior ainda, Padre Cícero soube usar o poder que sua posição lhe conferiu. Acumulou, em vida, riquezas com as quais praticou o assistencialismo.
Ajudou muitos sertanejos em momentos críticos, como na seca de 1915, a pior de que se tem conhecimento na região e que inspirou Raquel de Queiroz a escrever “O Quinze”, um de seus mais conhecidos romances. Alguns pesquisadores dizem que Cícero teria criado o precursor do programa “Fome Zero”. Valdecy endossa a opinião e garante que foi essa atuação junto aos mais necessitados que ampliou o prestígio do religioso a ponto de ele se tornar uma liderança inconteste.
Padre Cícero afrontou governantes, foi prefeito de Juazeiro por 20 anos, deu a Lampião a patente de capitão, para que o cangaceiro e seu bando combatessem a Coluna Prestes. Tanta ousadia fez com que a Igreja o suspendesse das atividades que desempenhava. Proibido de celebrar missas, Cícero não perdeu o contato com o povo que, curiosamente, continuou a apoiá-lo. Valdecy tem o religioso na conta de um “fenômeno sociológico”. “Só o primitivismo da sociedade da época explica que Padre Cícero tivesse conseguido manter a influência sobre o povo”, analisa.
A santidade de Padre Cícero resultava da vontade popular. “Não tem santo porque a Igreja manda, mas porque o povo quer”, filosofa o diretor. Carismático e também populista, o religioso recorria a alguns artifícios para comandar seu rebanho de seguidores. Entre tantas histórias que se contam a respeito, uma remete ao episódio do devoto que o procurou para reclamar que tinha sido roubado. Na missa que celebrou logo em seguida, Padre Cícero contou à assistência o ocorrido. Do altar, ordenou ao autor do roubo que devolvesse aquilo de que tinha se apropriado, sob pena de ser condenado a “arder no fogo do inferno”. Depois, mandou que a vítima procurasse o objeto em determinado lugar, o que acabou, mesmo, acontecendo, já que o ladrão estava na igreja e, com medo do pior, acatou a ordem.
Numa outra oportunidade, Cícero viajou aos Estados Unidos e lá conheceu “novidades” da tecnologia como o rádio e o avião. De volta ao Nordeste, “profetizou” aos devotos que, logo, o céu seria cortado por “pássaros barulhentos” e que “de uma caixinha de madeira” sairiam sons. Ele “previu”, ainda, a existência de um lençol freático sob o solo da região do Cariri. Um canal que faria a ligação com o oceano. Reforçou, assim, o que Antonio Conselheiro, líder da Guerra de Canudos, disse sobre “o sertão virar mar”.
“Padim Cícero...” não será exibido em festivais. Valdecy vai postar o filme na internet a partir de 20 de dezembro. Ele não acredita que o projeto vá, de alguma forma, abalar a convicção dos devotos. “Padre Cícero já tem seu lugar no coração do nordestino; não será uma produção artística, comprometida com a verdade, que irá mudar isso”.
Valdecy Alves
Valdecy Alves, cearense de nascimento, viveu em Sorocaba entre a década de 1980 a 1990, tendo uma importante atuação na cena cultural sorocabana juntamente com seu irmão Flávio Alves, com a criação de grupos teatrais; o jornal cultural ‘Pedaços‘, que divulgava poesias; intervenções artísticas de rua, edição de livros, produção de vídeos e ainda o Disque Poesia, projeto pioneiro na cidade, em que as pessoas ligavam para ouvir poemas, entre outros.
SERVIÇO:
Exibição do documentário “Padim Ciço - Santo ou Coronel?”. Hoje, às 19h, no Ponto de Leitura - Biblioteca Comunitária “Professor Waldir de Souza Lima”, à rua Floriano Peixoto, 238, Centro, Itu. Entrada gratuita. Outras informações: (11) 8445-6122/7599-4109 ou nos endereços www.comunateca.ning.com ewww.bibliotecacomunitaria.wordpress.com.
http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=42&id=244757
Comentários
Embora enquanto Cícero era vivo, o então padre do Seminário da Prainha de Fortaleza, o francês Pierre-Auguste Chevalier tenha dito que "Jesus Cristo não iria sair da Europa para fazer milagres no sertão do Brasil", como forma de negar o milagre atribuído ao vigário, em 2006 o bispo do Crato, Dom Fernando Panico, escreveu ao papa dizendo que "o Padre Cícero é um antivírus constra os evangélicos".
De fato, parece que a Igreja Católica precisa da religião e das liturgias populares que circundam o falecido padre, o que parece levar a dita igreja a rever o castigo imposto a Padim Ciço.
Tal posicionamento não é estranho à referida igreja. Há muitos séculos houve um papa que declarou oficialmente que seu antecessor não era santo. Posteriormente, morto o papa fez tal declaração, seu sucessor tornou a declarar santo aquele que havia sido anatematizado. Foi um verdadeiro vira e mexe.
Pelo visto o contexto histórico, tanto daquela época como o de agora, revelam que as conveniências é que prevalecem.
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