CALDEIRÃO DE SANTA CRUZ DO DESERTO – A UTOPIA DE BEATO LOURENÇO
Abaixo, além do artigo sobre a romaria, um pequeno histórico sobre Caldeirão e o making off das gravações, resumido em 10 fotos. Vejam e comentem:
Cruz do cemitério de Caldeirão e o que sobrou de sua muralha (Fotos: Mara Paula - Valdecy Alves - quem copiar citar a fonte) |
O sertanejo sem terra e oprimido reagiu na busca da Justiça Social, que sempre lhe foi negada, sobretudo através do cangaço e do messianismo. No cangaço temos mitos como Antonio Silvino e Lampião. No messianismo, Padre Cícero e Antonio Conselheiro, sem falar em Frei Damião e Padre Ibiapina, são os principais. Nesse mundo de santos e de milagres, a exemplo do que aconteceu em Israel, sobretudo no velho testamento, surgem os beatos, com a força dos profetas bíblicos. Um deles, o mais importante, Beato Lourenço, seguidor de Padre Cícero e fundador da comunidade de Caldeirão, no sertão do Crato, interior do Ceará.
O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto surgiu em 1926, em terras cedidas a Beato Lourenço por Padre Cícero. Em 1932, com a grande Seca, que lembrou a de 1877 e a de 1915, levas e mais levas de flagelados chegavam a Juazeiro do Norte pedindo auxílio a Padre Cícero, que os enviava para Caldeirão. Importante destacar que o nome Caldeirão se deve a um lajeiro, no leito de um riacho, que forma uma enorme piscina natural, com um formato de Caldeirão. Onde se acumula bastante água, a ponto de nos tempos de chuva chegar a ter 8 metros de fundura. Segundo seu Raimundo, que cuida atualmente do local, Caldeirão já conseguiu resistir a 10 anos, mesmo com poucas chuvas e secas, sem secar. Logo o local foi estrategicamente escolhido por Beato Lourenço, nessa acepção Caldeirão significa: ÁGUA! E água é vida.
Poço de Caldeirão - que deu o nome à comunidade - nunca seca |
Interessante destacar o que fez o Governo Federal na Seca de 32: CRIOU 07 CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NO ESTADO DO CEARÁ, sendo o mais famoso deles o Campo de Concentração da Barragem do Patu, em Senador Pompeu, Ceará. Tema de estudos até da Universidade de Harvard. Onde encarceraram quase 20.000 pessoas, grande parte dizimada por uma epidemia de cólera, enterrados em valas coletivas, cujas almas para região do Sertão Central são milagrosas e o cemitério lugar de romaria e sagrado.
Gravação com vaqueiro aboiador |
Igreja construída por Beato Lourenço no centro do que foi Caldeirão |
Os governantes da época agiram prendendo, torturando e com a fome a que submeteram os flagelados, a maioria morreu vítima quando não da fome, do cólera que era fatal aos famintos . Tudo para se evitar o que ocorrera na Seca de 1877, quando Fortaleza, da elite cearense, que imaginava ser francesa, foi invadida por um sertão de flagelados.
Chegada dos vaqueiros a Caldeirão |
Na Seca de 32, Padre Cícero e Beato Lourenço não só acolhiam o povo com respeito, como lhes arranjavam trabalho e comida. Fundamental para dignidade da pessoa humana. O Estado falhou, mais do que omisso, agiu excluindo e condenando à morte por sua negligência. Caldeirão de Santa Cruz do Deserto deu certo, tanto que provocou a ira desse mesmo Estado, que respondeu com ataques por terra e um bombardeio de avião, que aniquilou Caldeirão e os seus habitantes em 1937. MATARAM O POVO E TENTARAM VARRER O LOCAL DO MAPA. SÓ FALTOU COLOCAREM SAL PARA NENHUMA PLANTA NASCER POR LÁ. Quando o Estado não matou nos campos de Concentração matou com balas e bombas de avião, o que macula a história da aeronáutica brasileira, cujo primeiro bombardeio matou simples camponeses desarmados. Caldeirão mostra a importância da participação popular e da democracia direta. Do povo não só emana o poder, como esse povo precisa exercitar esse poder mesmo depois do voto. O povo, poder maior e originário, não pode ser dizimado pelo poder menor que é o Estado, cuja rota não pode ficar apenas nas mãos da democracia representativa.
Gravação do primeiro depoimento - Entrevistado: Seu Raimundo |
Romeiros em Caldeirão |
Experiência socialista rústica, teocrática com forte poder da religião, sem propriedade, o paraíso que sempre foi negado aos camponeses, que nunca tiveram terra para plantar, nem comida para sobreviver! Tão grande a miséria que posso resumir assim numa poesia do meu livro Embrionária:
O nordestino pobre
Tem como felicidade
Obter qualquer emprego
Ter o que comer e onde morar
...........................................
O oásis só é paraíso
Para o náufrago do deserto
A estrutura social
Toda a engrenagem do Estado
E toda a tecnologia
Mesmo no Século XXI
Não conseguiram dar ao sertanejo
O que os animais
isoladamente
Alcançaram instintivamente
Única casa de Caldeirão - da época do bombardeio - que não foi destruída |
Mas a memória está viva. A capela de Caldeirão, uma casa, um cruzeiro, resquício do cemitério se encontram preservados. E o mais importante: CALDEIRÃO ESTÁ VIVO NA MEMÓRIA DO POVO. Bomba nenhuma, exército nenhum ou qualquer outra força têm o poder de apagar a memória imaterial, transmitida oralmente de geração em geração.
Estive em Caldeirão, na romaria do último domingo, dia 19/09/2010. Na noite anterior, em evento na Diocese do Crato, encontrei todas as dioceses do Ceará reunidas, encerrando-se o encontro na romaria. Tive o prazer de conhecer Padre Vileci, que não apenas é da Comissão Pastoral da Terra, como um profundo conhecedor da história de Caldeirão e da luta dos camponeses pela terra no Brasil. Dizem que Sócrates não seria lembrado se não tivesse sido condenado a beber Cicuta, tampouco que existiria cristianismo se Jesus não tivesse sido sacrificado.
Romeiros em Caldeirão |
Estive lá com uma equipe gravando imagens para um documentário sobre Caldeirão, que será lançado em breve tanto em Fortaleza quanto na internet. Aqui, neste artigo, fica minha impressão, pela mágica, fantástica e ímpar experiência vivida e agradeço a toda equipe que trabalhou comigo nesse projeto: Fram Paulo, Karla Samara, Mara Paula, Meliées Kubrick, bem como a Flávio Alves e Ranuce Barreto, que cuidarão da edição. Viajamos ao todo 1.200 km, foram utilizadas 03 câmeras e duas máquinas fotográficas, além de outros equipamentos importantes.
Fecho a presente matéria com uma indagação: QUAL DEVE SER O REAL PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO AINDA SEM IDENTIDADE? ESSA RESPOSTA TEM QUE SER COLETIVA: DO POVO E GOVERNANTES! BEM COMO A CONSTRUÇÃO DESSE ESTADO. Abaixo uma música de Geraldo Vandré, que dedico a Beato Lourenço e aos que construíram Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, símbolo da utopia do povo excluído brasileiro (Disparada):
Comentários
Quero te parabenizar, pelo belo trabalho que esse Blog faz.
O Brasil que os brasileiros não conhecem.
Um absurdo, dos tantos que essa terra encobre. O genocídio do simples, do trabalhador, dos que mais sofrem. Que vergonha! Eu tenho!
Que esse grito seja ouvido e de alguma forma, se é possível, que seja acalentado.
Um bj
Vigário Geral: tragédias por todos os lados
Por Gustavo de Almeida
"...Poucos sabem, mas há um PM no caso de Vigário Geral que acabou se tornando vitima. Trata-se de Sérgio Cerqueira Borges, conhecido como Borjão.
Borjão foi um dos presos que em 1995 já eram vistos como inocentes, colocados no meio apenas por ser do 9º´BPM. A inocência de Borjão no caso era tão patente que ele inclusive foi o depositário de um equipamento de escuta pelo qual o Ministério Público pôde esclarecer diversos pontos em dúvida.
Borjão foi expulso da PM antes mesmo de ser julgado pela chacina. Era preso disciplinar por "não atualizar endereço".
Borjão conta até hoje que deu depoimento em seu Conselho de Disciplina sob efeito de tranqüilizantes, ainda no Batalhão de Choque. Seus auditores sabiam disto. "No BP-Choque, fomos torturados com granadas de efeito moral as vésperas do depoimento no 2º Tribunal do Júri, cujos fragmentos foram apresentados à juíza, que enviou a perícia. Isto consta nos autos, mas nada aconteceu", conta Borjão, hoje sem uma perna e com a saudade de um filho, assassinado em circunstâncias misteriosas, sem que ele nada pudesse fazer.
"No Natal fui transferido para a Polinter. Protestei aos gritos contra a injustiça. e Me mandaram para o hospital psiquiátrico em Bangu mas, por não ter sido aceito, retornei e em dias fui transferido para Água Santa. Lá também fui espancado e informei no dia seguinte em juízo, estando com diversos ferimentos, mas sequer fiz exame de corpo delito. Transferido para o Frei Caneca, pude ajudar a gravar as fitas com as confissões e em seguida fui transferido para o Comando de Policiamento do Interior. Após a perícia das fitas fui solto. Dei entrevistas me defendendo e tive minha liberdade provisória cassada e me mandaram para o 12ºBPM a fim de me silenciarem. No júri, fui absolvido. Meus pedidos de reintegração à PM nunca foram respondidos".
A história de Borjão ao longo de todos estes 15 anos só não supera mesmo a dor de quem perdeu alguém na chacina. Mas eu não estaria exagerando se dissesse que Sérgio Cerqueira Borges acabou se tornando uma vítima de Vigário Geral. "Tive um filho com 18 anos assassinado por vingança. Sofri vários atentados e um deles, a tiros, me fez perder parcialmente os movimentos da perna esquerda. Sofro de diabete, enfartei aos 38 anos e vivo com um tumor na tireóide. Hoje em dia tento reintegração à PM em ação rescisória, o processo é o número 2005.006.00322 no TJ, com pedido de tutela antecipada para cirurgia no Hospital da PM para extração do tumor. Portanto, vários atentados à dignidade humana foram cometidos. As pessoas responsáveis nunca responderão por diversas prisões de inocentes? Afinal foram 23 inocentes presos por quase quatro anos com similares seqüelas. A injustiça queima a alma e perece a carne!", desabafa Borjão.
Borjão hoje conta com ajuda da OAB para lutar por sua reintegração. Mas o desafio é gigantesco.
Triste ironia do destino: o policial hoje mora em Vigário, palco da tragédia que o jogou no limbo.
A filha dele, no entanto, me contou há alguns dias que não houve tempo suficiente para esperar pela Justiça e pela PM - Borjão teve que operar às pressas o tumor na tireóide no Hospital Municipal de Duque de Caxias. A cirurgia foi bem. Sérgio Cerqueira Borges vai sobreviver mais uma vez.
Sobreviver de forma quase tão dura como os parentes de 21 inocentes, estas pessoas que sobrevivem mais uma vez a cada dia, a cada hora. No Rio de Janeiro é assim: as tragédias têm vários lados e a tristeza de quem tem memória dificilmente se dissipa. Pelo menos nesta data, neste 29 de agosto que nos asfixia."
Fiquei honrado em saber que você, um ilustre e atuante cidadão pleno, do pujante estado setentrional do Ceará, tornou-se um passageiro permanente do meu vagão do Expresso Oriente! Seja bem-vindo!!!
Seu vagão do Expresso Oriente é palpitante e nos brinda com matérias que nos possibilitam outros viéses para o tema em foco! Parabéns!
Que a deusa da Justiça e da Sabedoria o tenha como pupilo sempre!
Caloroso abraço! Saudações democráticas!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP
Zezinha
Tenha uma SURPREENDENTE E MARAVILHOSA primavera!!!
Excelente fim de semana!!!
Hoje ofereci a VOCÊ uma música especial... por seu meu seguidor.
Abraços fraternais