CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NO CEARÁ
Artigo do Professor - Luiz Mourão
No próximo dia 13 de novembro,
acontecerá no município de Senador Pompeu, localizado a 280 km da capital, a
29ª Caminhada da Seca, ideia do vigário Albino Donatti ainda no ano de 1982. O
intuito da caminhada é lembrar as pessoas que morreram na seca do ano de 1932,
acontecimento histórico pouco lembrando nos livros de história, mas vivo na
cultura popular do povo cearense. Quando
escutamos o assunto “campos de concentração” remontamos ao período da 2ª Guerra
Mundial e imaginamos o holocausto idealizado por Hitler e seu partido Nazista.
Não imaginamos que este fato ocorreu no
Brasil, mais especificamente no Nordeste e que ocorreu principalmente antes da
criação dos campos nazistas. Apesar das
secas serem um problema rotineiro no Ceará, as políticas públicas desta época
eram ineficazes, pois a cada ano, com a ameaça de falta de chuvas, os
retirantes desembarcavam na capital pedindo auxílio. Transformavam as ruas,
fazendo delas sua moradia; viviam de pequenos furtos ou prostituição. A solução
encontrada pelo poder público foi a criação de campos “abarracamentos” tentando
com isso manter os retirantes fora da visão das elites. Esses campos, a
princípio na capital, consistiam em um espaço onde as pessoas ficariam morando
até os primeiros sinais de chuva quando, então, eram libertadas para voltarem
para suas cidades. No começo a ideia agradou as elites, contudo muitas pessoas
não aprovaram o projeto, pois princípios de doenças causadas pela falta de
alimentos e condições precárias pelas quais os retirantes passavam, fizeram
muita gente criticar esse tipo de assistência. No ano de 1932, depois de
minguadas chuvas no ano anterior, o retirante não tem alternativa senão migrar
para a capital. Nesse período, Getúlio Vargas comandava nosso país. Após a
revolução de 1930, e promovendo mudanças nas oligarquias regionais, Vargas
nomeou como interventor do Ceará o capitão Carneiro de Mendonça. Diferentemente
das outras secas que acometeram o Ceará, assim como todo o nordeste no século
XIX e eram vistas apenas como fenômenos naturais, não tendo a atenção dos
governantes. Neste período já existia o DNOCS (Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas) e a problemática da seca já era estudada. Apesar disso, nada
impediu a construção dos “currais do governo”, dessa vez em maior escala e
espalhados pelo interior nos municípios: Cariús, Crato, Ipu, Quixeramobim,
Senador Pompeu. Municípios estrategicamente localizados próximos às estações de
trem, neutralizando qualquer embarque para Fortaleza. Interessante é notar o
escárnio por parte do interventor do estado em relação aos flagelados, pois com
a seca, o governo federal enviou verbas para a aplicação em políticas públicas
(desde a compra de medicamentos até a aquisição de alimentos, elemento
fundamental para a sobrevivência dos flagelados). Relatórios provinciais da
época informam que a situação estava controlada e a aplicação de vacinas foi
executada com êxito. No entanto, a situação visualizada e vivida pelo
nordestino não condizia com a realidade. Isso pode ser observado no seguinte
aspecto: registros mostram que durante as secas 1877-78, 1888, 1915 e 1932
foram inauguradas 84 ruas, sendo o maior número no ano de 1932. Demonstra-se
desta maneira como eram usadas as verbas e a utilidade do flagelado como mão de
obra. Confirmando a frase do escritor Euclides da Cunha: “o sertanejo é antes
de tudo, um forte”, além de serem utilizados na construção de ruas, também
participaram em obras da rede ferroviária e na construção do porto. No interior
onde a fiscalização e a imprensa não tinham um alcance considerável, a situação
estava caótica. Como o caso do campo de concentração do município de Crato, o
qual foi planejado para abrigar de dois a cinco mil flagelados, chegou a
receber mais de cinqüenta mil retirantes. Após as primeiras chuvas no ano de
1933, os administradores dos campos começaram a libertar os flagelados, mas a
tragédia ficou marcada com um número próximo de noventa mil mortos. A região
onde hoje acontece a caminhada da seca em direção ao açude do Patu é o local
onde morreu 90% das pessoas que se encontravam no campo de Senador Pompeu. O
açude guarda no fundo do seu leito mais de sete mil corpos enterrados em valas,
como relata a Sra. Francisca Mourão Vieira, ex-flagelada do campo de Senador
Pompeu, que após o acontecimento nunca voltou à sua cidade, morando atualmente
em Fortaleza. Hoje, vemos que esse “costume” de desviar o dinheiro público é
uma herança do passado. O que deveria servir de exemplo para evitar novos
acontecimentos nocivos é usado como aula para novos projetos. Enquanto a seca
existia para alguns, para outros não passou de um bom inverno.
LUIZ MACIEL MOURÃO VIEIRA
PROFESSOR DA UFC E
HISTORIADOR
LEIA JORNAL ABAIXO DE 1932:
Página 05 - do Jornal O Povo de 11 de Janeiro de 1932 - Arquivos Jornal O Povo Sobre a situação do Sertão Central na Seca de 32 |
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